sábado, 19 de julho de 2014

Vida e Morte

Não sei precisar quanto tempo demorei para chegar ao hospital. Me recordo estar dirigindo, a caminho do trabalho; lembro de cheiro de café entrando pela minha janela, e, me tomando como em flashs, a lembrança de uma grande árvore no canteiro central, de pessoas circulando pelas calçadas, indo e vindo, do brilho do sol colorindo o dia quando meu celular vibrou com um número desconhecido. Era para ser um dia como qualquer outro, e não sei bem o por quê, mas tive receio de atender. Talvez algum sexto-sentido que me dizia para não interromper o que, de tão simples e normal, seria minha última lembrança de felicidade.

Já se passaram cinco anos e eu ainda sonho com uma manhã leve como esta, pelo menos até o momento em que decidi atender o telefone.

- Sra. Susan? – Uma voz meiga, suave, mas ao mesmo tempo preocupada repetiu meu nome por duas vezes.
Lembro do verde ficar cinza, lembro de um silêncio infernal que ainda hoje me consome e me conturba e a voz da policial, ecoando, retumbando como estaca, o nome de meu marido. Certamente minha mente expurgou pelo menos este ápice de minha angústia, porque não há nada que me faça recordar como cheguei ao hospital.

Do que restou em minha memória, lá estava eu correndo desesperada pelo hall principal. A bolsa escorregando pelo ombro, as chaves do carro e o celular nas mãos, e não sei como o salto alto e fino inofensivo à corrida, suportando milagrosamente todo desequilíbrio físico e emocional em que eu me encontrava. E por fim, me lembro de minhas pernas finalmente desistindo de mim, ao ver minhas pequenas com carinhas assustadas e olhos transbordando lágrimas em meio ao que parecia uma multidão de desconhecidos. Novamente um silêncio mortal, pessoas olhando para mim, me contando o pior através expressões de piedade.

Aqueles olhares me apunhalavam até a morte. Me abaixei, abracei minhas meninas, e repentinamente me senti renascendo. Senti o sangue circulando em minhas veias, meu coração batendo abruptamente, e algum sentido em ainda estar ali. Então ouvi alguns passos, alguém se aproximando. O mesmo receio que tive ao ver meu celular me consumiu novamente. Olhei lentamente para trás e me deparei com um médico, estático atrás de nós, me olhando fixamente, ao mesmo tempo em que não conseguia manter o olhar nos meus olhos.

- Sra. Susan, lamento informar, seu marido não resistiu e faleceu.

Foi como se eu tivesse morrido ali também. Minha mãe surgiu, não sei de onde, me abraçou forte e disse que me amava. Me senti amparada, resgatada do pior de meus pesadelos pelo seu acalento. Mas minha mente imediatamente me trouxe de volta à cena. Lembrei que jamais ouviria novamente meu querido John me dizendo essas palavras. Senti uma mistura de desânimo e desespero, uma dor da ausência, um vazio por completo em minha alma, uma saudade imensa, como se o John nunca tivesse sequer existido. Será que eu estava vivendo um pesadelo ou estava acordando de um sonho?

Então uma enfermeira apareceu e perguntou se eu queria ver o John e rispidamente eu disse que não. O que eu queria mesmo era sair correndo dali. Ao mesmo tempo, como se minha razão e emoção estivessem em conflito, pensei que me arrependeria eternamente por não ter ficado com ele ao menos um instante, e então decidi vê-lo.

Seu semblante era de quem dormia em paz, o mesmo que ele estava quando o despertei pela manhã. Não sou muito católica, não vivia minha vida com apegos mais intensos à religião, mas é curioso como diante de um abismo o primeiro a receber a conta é Deus. Foi a ele que dirigi minha revolta. Por quê, meu Deus? O que eu fiz de errado? Com que direito o senhor levou meu marido de mim? Por que esse castigo? E minhas filhas? Tão novas, tão puras, não fizeram nada que justificassem que o senhor tirasse o John da vida delas tão cedo...

Veio então um avassalador sentimento de impotência. Minha mente percorria um interminável labirinto buscando se livrar de qualquer culpa que pudesse ter provocado a morte de John. Lembrei dele saindo às pressas de casa sem tomar o café que usualmente tomávamos juntos. Se eu tivesse insistido para ele ficar, então talvez eu teria o salvado.

Meu Deus, por que eu não estava com ele? Por que você deixou ele ir sem ao menos se despedir?  O que ele sentiu? Ele sofreu? Ele era feliz? Se passaram dias, meses, anos e eu segui empurrando minha vida tentando achar motivos para seguir em frente, tentando ao menos encontrar respostas que me fizessem amenizar a dor e a saudade do John. E houve momentos em que fui plena, sendo a mãe que deu forças às filhas, mas em outros eu sequer conseguia me sustentar, e  foram minhas filhas que me trouxeram razões para continuar. Mas é fato que aprendi a me envolver com a dor de outros, a confortar quem passava por momentos tão sofridos e adversos como os que passei na falta do John. E entendi que quando me envolvia, me confortava, porque via que não era a única injustiçada, que todos os dias alguém também tinha alguém tomado à força como foi com o John. E enquanto estava ajudando, deixava de procurar respostas que, no fundo, eu sabia que nunca iria encontrar. 

O que aprendi? Infelizmente vida e morte são parceiros inseparáveis. Vida e morte não tem coração, que simplesmente resolve parar de bater repentinamente e deixar para os que ficam o fardo de carregar para sempre os sonhos que a vida criou e a morte levou.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Brasil - Sexta economia do mundo?

Em alguns casos por hipocrisia, em outros, por ignorância, as pessoas aceitam a idéia de que o Brasil se tornou a sexta economia do mundo com naturalidade. Fato é que a grande maioria delas absorve certas informações limitadas, mentirosas e formalmente institucionalizadas como se fossem verdade absoluta, seja para usufruir politicamente de seus resultados, seja para amaciar uma realidade bem mais áspera e dolorosa.

Quando a EIU (Economist Intelligence Unit) anunciou oficialmente que o Brasil se tornara a sexta economia do mundo, nada mais dizia que o valor do Produto Interno Bruto brasileiro, convertido à taxa cambial corrente, se tornara o sexto maior número entre os apurados para cada uma das nações do mundo. Pois bem, a matemática é simples e lógica, 3 é maior que 2, então o PIB de 2,51 trilhões do Brasil é maior que os 2,48 do Reino Unido, considerado agora o sétimo maior. Simples assim? Simples assim…

Mas ao olharmos para indicadores como taxa de crescimento de PIB, equilíbrio orçamentário, saldo de balanço comercial, índices de inflação ou outras ferramentas do gênero, estamos focando nossa atenção para a máquina, para os chamados “fundamentos essenciais” da economia e não para o grau de realização dos objetivos humanos para os quais esta máquina deveria funcionar. Como diz um tradicional provérbio chinês, quando o sábio aponta o dedo para o céu, o néscio olha para o dedo.

O conceito de economia é bastante simples! Economia é a ciência que estuda como os indivíduos e a sociedade utilizam seus escassos recursos de forma a buscar satisfazer da melhor maneira possível as suas necessidades.

Ora, se este é o conceito de economia, como um país que utiliza e distribui tão mal seus recursos poderia estar classificado como o sexto que melhor os utiliza para suprir as necessidades de sua sociedade? Temos milhões de brasileiros sobrevivendo em condições subumanas, sem as mínimas condições básicas atendidas. Esta é a maior afronta à interpretação do indicador da EIU.

Mas o mais incrível de toda essa falácia é que nem mesmo precisaríamos abrir as janelas de nossas casas para confirmar que a grande maioria dos brasileiros não vive na sexta economia do mundo. Mesmo que se vivesse do outro lado do mundo, longe da triste realidade que nos rodeia, bastaria uma simples regra de três para identificar que, se que somos praticamente 200 milhões de brasileiros para um PIB de 2,51 trilhões, temos um Produto Interno Bruto de pouco mais de USD 13 mil por brasileiro, contra mais de USD 39 mil para cada cidadão do Reino Unido (63 milhões de habitantes).

Abaixo publico uma lista com os 100 maiores PIBs, confrontando estes valores com a população de cada um dos países e registrando um outro indicador, o PIB unitário:


Pos.
País
PIB (em Bi USD)
População
PIB Unit.
1
 Estados Unidos
15.064.816
313.232.044
48.095
2
 China
6.988.470
1.336.718.015
5.228
3
 Japão
5.855.385
126.475.664
46.297
4
Alemanha
3.628.623
81.471.834
44.538
5
 França
2.808.265
65.312.249
42.998
6
 Brasil
2.517.927
192.376.496
13.089
7
 Grã Bretanha
2.480.978
62.698.362
39.570
8
 Italia
2.245.706
61.016.814
36.805
9
 Russia
1.884.903
138.739.892
13.586
10
 India
1.843.382
1.189.172.906
1.550
11
 Canadá
1.758.680
34.030.589
51.679
12
 Espanha
1.536.479
46.754.657
32.863
13
 Austrália
1.507.402
21.766.711
69.253
14
 México
1.185.215
113.724.226
10.422
15
 Coreia do Sul
1.163.847
48.754.657
23.872
16
 Holanda
858.282
16.645.313
51.563
17
 Indonesia
834.335
245.613.043
3.397
18
 Turquia
763.096
78.785.548
9.686
19
 Suíça
665.898
7.581.520
87.832
20
 Suécia
529.046
9.045.389
58.488
21
 Bélgica
571.567
10.403.951
54.937
22
 Arábia Saudita
560.294
26.131.703
21.441
23
 Polônia
531.758
38.441.558
13.833
24
 Taiwan
504.612
23.071.779
21.871
25
 Noruega
479.267
4.644.457
103.191
26
 Irã
475.052
77.891.220
6.099
27
 Argentina
435.179
41.769.726
10.419
28
 Austria
425.091
8.205.533
51.805
29
 Africa do Sul
422.037
49.004.031
8.612
30
 Emirados Arabes
358.080
4.621.399
77.483
31
 Dinamarca
349.121
5.484.723
63.653
32
 Tailândia
339.396
66.720.153
5.087
33
 Colômbia
321.460
44.725.543
7.187
34
 Venezuela
312.042
27.635.743
11.291
35
 Grêcia
309.837
10.722.816
28.895
36
 Finlândia
270.553
5.244.749
51.586
38
 Malásia
247.465
28.728.607
8.614
39
 Nigeria
247.128
155.215.573
1.592
40
 Hong Kong
246.941
7.018.636
35.184
41
 Israel
245.266
7.112.359
34.484
42
 Chile
243.049
16.454.143
14.771
43
 Portugal
241.921
10.676.910
22.658
44
 Egito
231.890
82.079.636
2.825
45
 Irlanda
222.269
4.156.119
53.480
46
 República Checa
220.335
10.220.911
21.557
47
Filipinas
216.096
101.833.938
2.122
48
 Paquistão
204.081
187.342.721
1.089
49
 Romênia
185.315
21.904.551
8.460
50
 Argélia
183.415
34.994.937
5.241
51
 Cazaquistão
180.147
15.340.533
11.743
53
 Kuwait
171.065
2.596.799
65.875
54
 Nova Zelândia
168.824
4.173.460
40.452
55
 Peru
168.459
29.248.943
5.759
56
 Ucrânia
162.850
45.134.707
3.608
57
 Hungria
147.874
9.930.915
14.890
58
 Vietnã
121.611
90.549.390
1.343
59
 Bangladesh
114.973
158.570.535
725
60
 Marrocos
101.767
31.968.361
3.183
61
 Angola
99.325
12.531.357
7.926
62
 Eslováquia
97.239
5.455.407
17.824
63
 Líbia
71.336
6.173.579
11.555
64
 Azerbaijão
68.501
8.177.717
8.377
Oman flag 300.pngOman flag 300.pngOman flag 300.pngOman flag 300.png
65
 Omã
66.848
3.311.640
20.186
66
 Equador
65.308
14.354.469
4.550
67
 Síria
64.740
22.517.750
2.875
68
Croácia
64.160
4.491.543
14.285
69
Sudão
63.329
31.894.000
1.986
70
Luxemburgo
62.936
486.006
129.496
71
Sri Lanka
58.824
21.283.913
2.764
72
Bielorrússia
57.715
9.685.768
5.959
73
 República Dominicana
54.355
9.507.133
5.717
74
 Bulgária
54.271
7.262.675
7.473
75
 Eslovênia
52.430
2.007.711
26.114
76
 Mianmar
50.201
53.999.804
930
77
 Uruguai
49.423
3.477.778
14.211
78
 Tunísia
48.932
10.383.577
4.712
79
Guatemala
46.730
13.002.206
3.594
80
Sérvia
46.444
7.413.882
6.264
81
 Uzbesquistão
43.719
28.128.600
1.554
82
Lituânia
43.171
3.565.205
12.109
83
 Libano
41.458
3.971.941
10.438
84
 Costa Rica
40.024
4.195.914
9.539
85
Iémen/Iêmen
36.692
24.133.492
1.520
86
Quênia
36.102
41.070.934
879
87
 Etiópia
30.501
90.873.839
336
88
 Panamá
30.233
3.309.679
9.135
89
 Jordânia
28.402
6.198.677
4.582
90
 Letônia
27.407
2.245.423
12.206
91
 Bahhein
26.421
718.306
36.782
92
 Camarões
25.834
18.467.692
1.399
93
Chipre
25.655
792.604
32.368
94
 Turcomenistão
24.107
4.829.332
4.992
95
Bolívia
23.875
9.601.257
2.487
96
Costa do Marfin
23.800
21.504.162
1.107
97
 Tanzânia
23.197
42.746.620
543
98
El Salvador
22.616
7.066.403
3.200
99
Estônia
22.541
1.307.605
17.238
100
Paraguay
22.340
6.831.306
3.270


O resultado é que o PIB unitário Brasileiro colocaria o Brasil na 43ª posição entre os 100 maiores PIBs. Há de se ressaltar que o indicador de PIB unitário seria igualmente insuficiente para classificar o país como a 43ª economia do mundo, visto que uma simples média também não expressaria a real distribuição dos recursos de um país para seus indivíduos. Mas, certamente, reforça o argumento de que também não somos a 6ª economia do mundo.