quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Crise Financeira Americana - Versão para leigos

Recebi de um amigo esta pérola de texto através de um email. Infelizmente, até o momento, não consegui descobri quem foi o autor para destinar-lhe os méritos. Uma forma simples e clara de explicar a irracionalidade que movimenta o sistema econômico e que faz os "pobres mortais" se sujeitarem a receber sua fatia da conta, por conta da falta de regulamentação vigente no modelo de "libertinagem" econômica.
"A CRISE DA ECONOMIA AMERICANA (Explicada de forma didática)

Paul comprou um apartamento, no começo dos anos 90, por 300.000 dólares, financiado em 30 anos. Em 2006 o apartamento do Paul passou a valer 1,1 milhão de dólares.

Aí, um banco perguntou para o Paul se ele não queria uma grana emprestada, algo como 800.000 dólares, dando seu apartamento como garantia. Ele aceitou o empréstimo, fez uma nova hipoteca e pegou os 800.000 dólares. Com os 800.000 dólares, Paul, vendo que imóveis não paravam de valorizar, comprou três casas em construção dando como entrada algo como 400.000 dólares.

A diferença, 400.000 dólares, que Paul recebeu do banco, ele se comprometeu: comprou carro novo (alemão) para ele, deu um carro (japonês) para cada filho e com o resto do dinheiro comprou TV de plasma de 63 polegadas, notebooks, cuecas. Tudo financiado, tudo a crédito. A esposa do Paul, sentindo-se rica, sentou o dedo no cartão de crédito.

Em agosto de 2007 começaram a correr boatos que os preços dos imóveis estavam caindo. As casas que o Paul tinha dado entrada e estavam em construção caíram vertiginosamente de preço e não tinham mais liquidez. O negócio era refinanciar a própria casa, usar o dinheiro para comprar outras casas e revender com lucro. Fácil!

Parecia fácil. Só que todo mundo teve a mesma idéia ao mesmo tempo. As taxas que o Paul pagava começaram a subir (as taxas eram pós-fixadas) e Paul percebeu que seu investimento em imóveis se transformara num desastre. Milhões tiveram a mesma idéia do Paul. Tinha casa para vender como nunca.

Paul foi agüentando as prestações da sua casa refinanciada, mais as das três casas que ele comprou, como milhões de compatriotas, para revender, mais as prestações dos carros, das cuecas, dos notebooks, da TV de plasma e do cartão de crédito. Aí as casas que o Paul comprou para revender ficaram prontas e ele tinha que pagar uma grande parcela.

Só que neste momento Paul achava que já teria revendido as três casas mas ou não havia compradores, ou os que havia só pagariam um preço muito menor que o Paul havia pago. Paul se danou. Começou a não pagar aos bancos as hipotecas da casa que ele morava e das três casas que ele havia comprado como investimento. Os bancos ficaram sem receber de milhões de especuladores iguais a Paul.

Paul optou pela sobrevivência da família e tentou renegociar com os bancos que não quiseram acordo. Paul entregou aos bancos as três casas que comprou como investimento perdendo tudo que tinha investido. Paul quebrou. Ele e sua família pararam de consumir...

Milhões de Pauls deixaram de pagar aos bancos os empréstimos que haviam feito baseados nos preços dos imóveis. Os bancos haviam transformado os empréstimos de milhões de Pauls em títulos negociáveis. Esses títulos passaram a ser negociados com valor de face. Com a inadimplência dos Pauls, esses títulos começaram a valer pó. Bilhões e bilhões em títulos passaram a nada valer e esses títulos estavam disseminados por todo o mercado, principalmente nos bancos americanos, mas também em bancos europeus e asiáticos. Os imóveis eram as garantias dos empréstimos, mas esses empréstimos foram feitos baseados num preço de mercado desse imóvel... Preço que despencou.

Um empréstimo foi feito baseado num imóvel avaliado em 500.000 dólares e de repente passou a valer 300.000 dólares e mesmo pelos 300.000 não havia compradores.

Os preços dos imóveis eram uma bolha, um ciclo que não se sustentava, como os esquemas de pirâmide, especulação pura. A inadimplência dos milhões de Pauls atingiu fortemente os bancos americanos que perderam centenas de bilhões de dólares. A farra do crédito fácil um dia acaba. Acabou.

Com a inadimplência dos milhões de Pauls, os bancos pararam de emprestar por medo de não receber. Os Pauls pararam de consumir porque não tinham crédito. Mesmo quem não devia dinheiro não conseguia crédito nos bancos e quem tinha crédito não queria dinheiro emprestado. O medo de perder o emprego fez a economia travar. Recessão é sentimento, é medo. Mesmo quem pode, pára de consumir.

O FED começou a trabalhar de forma árdua, reduzindo fortemente as taxas de juros e as taxas de empréstimo interbancários. O FED também começou a injetar bilhões de dólares no mercado, provendo liquidez. O governo Bush lançou um plano de ajuda à economia sob forma de devolução de parte do imposto de renda pago, visando incrementar o consumo, porém essas ações levam meses para surtir efeitos práticos. Essas ações foram corretas e, até agora não é possível afirmar que os EUA estão tecnicamente em recessão. O FED trabalhava. O mercado ficava atento e as famílias esperançosas.

Até que na semana passada o impensável aconteceu. O pior pesadelo para uma economia aconteceu: a crise bancária, correntistas correndo para sacar suas economias, boataria geral, pânico. Um dos grandes bancos da América, o Bear Stearns, amanheceu, na segunda feira última, quebrado, insolvente.

No domingo o FED, de forma inédita, fez um empréstimo ao Bear, apoiado pelo JP Morgan Chase, para que o banco não quebrasse. Depois disso o Bear foi vendido para o JP Morgan por dois dólares por ação. Há um ano elas valiam 160 dólares.

Durante esta semana dezenas de boatos voltaram a acontecer sobre quebra de bancos. A bola da vez seria o Lehman Brothers, um bancão. O mercado e as pessoas seguem sem saber o que nos espera na próxima segunda-feira. O que começou com o Paul hoje afeta o mundo inteiro.
A coisa pode estar apenas começando. Só o tempo dirá.

E hoje, dia 15 de Setembro de 2008, o Lehman Brothers pediu falência, desempregando mais de 26 mil pessoas e provocando uma queda de mais de 500 (quinhentos ) pontos no Índice Dow Jones, que mede o valor ponderado das ações das 30 maiores empresas negociadas na Bolsa de Valores de New York - a maior queda em um único dia, desde a quebra de 1929.

O dia de hoje, certamente, será lembrado para sempre na historia do capitalismo."

O Capitalismo em convulsão

Repasso, na íntegra, as palavras de John Plender, colunista do “Financial Times” e executivo-chefe da “Quintain”, publicadas em 24/09/08


"O capitalismo em convulsão: ativos tóxicos viajam em direção a contabilização pública".


No espaço de apenas duas tumultuadas semanas, o panorama das finanças globais mudou drasticamente. A administração Bush montou um resgate multibilionário, para salvamento do sistema financeiro, que vai infligir danos severos ao modelo norte-americano de livre capitalismo de mercado.

Pesados custos também serão infligidos ao contribuinte americano, que irão subsidiar Wall Street – e várias instituições financeiras ao redor do mundo – em um resgate de dimensão sem precedentes.

A seqüência de eventos que levaram a esta extraordinária socialização das finanças começou com a nacionalização, de fato, da Fannie Mae e Freddie Mac, os falidos financiadores de hipotecas patrocinados pelo governo, que estão no cerne do sistema de financiamento habitacional dos EUA. Seguiu-se um forte aumento no custo do seguro contra inadimplência na economia mais poderosa do mundo. Em algumas estimativas independentes, a resposta global à crise poderia levar a dívida pública dos EUA, ainda em patamares gerenciáveis, a um nível comparável ao de países altamente endividados, como Japão e Itália.

Preocupações com a solvência dos EUA são absurdas, de acordo com Charles Goodhart, da London School of Economics. Elas têm, todavia, vindo à tona, juntamente com uma preocupação acadêmica acerca do papel do dólar como moeda global de reserva.

Depois veio a absorção da Merrill Lynch pelo Bank of America e uma corajosa decisão por Hank Paulson, secretário do Tesouro americano, de permitir o Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimento dos EUA, de ir à lona. Este movimento contrastou com o resgate orquestrado do menor Bear Stearns pelo JPMorgan Chase, no início deste ano.

O desaparecimento desses dois gigantes de Wall Street suscitou dúvidas sobre a perenidade do modelo independente para bancos de investimento. As ações dos dois sobreviventes do mercado de securitização, Morgan Stanley e Goldman Sachs, foram rapidamente depredadas pelos especuladores. No Reino Unido, sabe-se que especuladores empurraram o HBOS, o maior credor hipotecário do país, para um casamento forçado com a Lloyds TSB.

Ainda mais surpreendente foi a notícia de que o Federal Reserve adiantou US$85 bi dos contribuintes para a AIG, a maior seguradora privada. Graças ao seu papel no mercado mundial do seguro de crédito, a AIG era tão interligada com outras instituições financeiras que sua falência teria sido catastrófica para todo o sistema.

No entanto, apesar de uma recuperação inicial, a crônica falta de confiança, que tem dominado o sistema bancário desde agosto do ano passado, piorou após esses movimentos. Na quarta-feira, a taxa de juro de um mês dos Treasury Bills tornou-se negativa, passando a surpreendente mensagem de que os investidores preferem perder dinheiro em papéis do governo, onde o reembolso é certo, do que investir em fundos do mercado monetário. O ponto de clímax tinha sido atingido, no qual ninguém confia em nenhum outro ativo que não sejam os governamentais.
Em tais circunstâncias, a experiência ensina que os bancos centrais têm de emprestar livremente. No evento, o Federal Reserve injetou US$ 180 bi nos mercados, enquanto os demais presidentes de bancos centrais diziam que iriam adotar medidas coordenadas para aliviar os mercados de curto prazo de dólar.
Para completar a semana, Paulson iniciou debates com líderes políticos para criar um mecanismo, patrocinado pelo governo, com o objetivo de assumir os ativos tóxicos criados pela bolha, causando momentânea alta no mercado acionário.

O paradoxo, neste caso extraordinário, é como uma iliquidez tão extrema pode existir em um mundo inundado com o excesso de poupança da Ásia e das petro-economias. A Rússia ilustra o ponto. Graças a abundantes fluxos de petróleo, obteve elevado crescimento econômico, a terceira maior reserva cambial do mundo e baixa dívida do setor público. Entretanto, os preços das ações no mercado de capitais russo estão desabando e a confiança no sistema financeiro erodiu a tal ponto, que os bancos estão com escassez de fundos e ameaçados de falência.

Isto é o que ocorre quando um superalavancado sistema financeiro global reverte sua tendência. A contração de crédito está sendo forçada em todo o mundo após a maior bolha de crédito na história ter estourado. David Roche, do centro de pesquisas “Independent Strategy”, traduz isto como uma "mudança tectônica da alavancagem para a parcimônia, como modo de financiamento do crescimento, e a concomitante drástica redução dos desequilíbrios globais, tais como o déficit em conta corrente dos EUA".

A realidade é que o sistema financeiro tem funcionado como se fosse instrumento extrapatrimonial do governo. Empresas do setor privado e banqueiros obtiveram enormes lucros na bolha. O apetite de risco foi reforçado por resgates anteriores e, no caso da Fannie e Freddie, pela garantia implícita do governo. Por isso, os preços no mercado ainda não refletem o custo potencial, para o sistema, de seu próprio colapso.

Esta incapacidade de lidar com as externalidades ficou mais uma vez evidente nos mercados, ao longo das últimas duas semanas, quando especuladores se envolveram nas estratégias de vendas a curto-prazo contra a AIG e os bancos de investimento, nos EUA, e HBOS, no Reino Unido. Isto põe em risco o sistema financeiro, porque as agências de “rating” respondem às quedas das cotações rebaixando as classificações de risco de crédito, prejudicando ainda mais a capacidade dos agentes de financiar seus negócios combalidos.

Mais uma vez, os imóveis têm sido o cerne do descalabro financeiro, apesar das afirmações dos banqueiros centrais de que uma queda geral dos preços dos bens imobiliários ser impossível. No entanto, a particularidade desta vez está no fato de as cotações dos imóveis terem sido envolvidas pelos movimentos dos complexos produtos financeiros, que poucos compreendiam.
Quando os investidores saem de suas áreas de competência, problemas aparecem. Walter Bagehot, o economista do séc. XIX que definiu as regras para a gestão de crises financeiras pelos bancos centrais, em seu livro “Lombard Street”, dizia: "O senso comum ensina que especuladores não deveriam mexer com o lúpulo das cervejas, ou banqueiros com óleos medicinais; ferrovias não deveriam ser bancadas por senhoras solteiras, ou os canais por clérigos (...) Em nome do bom senso, é necessário que haja bom senso".

A diferença na década atual é que tanto os executivos dos bancos, como seus conselhos executivos, não conseguiram compreender a extensão total destes produtos bancários lastreados em hipotecas securitizadas, assim como não entenderam bancos centrais, autoridades reguladoras e agências de “rating”.

Nos itens extrapatrimoniais do mundo de Alice no País das Maravilhas, a mais absurda característica foi o sistema de recompensas, que concedeu enormes benefícios para aqueles que injetaram no sistema ativos tóxicos hipotecários e não permitiu que grande parte do dinheiro pudesse ser resgatada quando os resultados ficaram abaixo dos esperados. Quase tão absurdo, também, foi o grau de alavancagem permitido aos bancos de investimento.

Como Michael Lewitt, um agente de investimentos da Flórida, diz: "Permitir os investimentos dos bancos serem alavancados na proporção de 30 pra 1 é o mesmo que jogar roleta russa com cinco dos seis câmaras da arma carregadas. Se forem acrescentados os passivos extrapatrimoniais, você está simplesmente carregando a sexta câmara, e puxando o gatilho".
Então, que estágio a crise atual atingiu? Bagehot cita a descrição do banqueiro Overstone Lord's sobre o progresso de um ciclo instável: "quietude, melhora, confiança, prosperidade, emoção, ‘overtrading’ , CONVULSÃO [ênfase de Bagehot], pressão, estagnação, terminando novamente em quietude".

Nas duas últimas semanas, estamos assistindo à convulsão. Ainda que seja possível evitar a estagnação, pois as autoridades estão seguindo as prescrições de Hyman Minsky, o economista cujo trabalho, Stabilizing An Unstable Economy, melhor explicou a dinâmica desta crise.
Minsky vê um ativismo fiscal do governo, junto com empréstimos de última instância dos bancos centrais, como a maneira moderna de lidar com dificuldades financeiras. Isso está ocorrendo agora. Com efeito, o governo americano está replicando o que ocorreu no sistema bancário privado na crise anterior, quando as instituições foram obrigadas a retomar as entidades que haviam criado, como instrumentos e mecanismos de investimento estruturado, de volta aos seus balanços financeiros, quando os financiamentos secaram.

Tendo implicitamente garantidos Fannie e Freddie, e sustentado as operações de banqueiros irresponsáveis na AIG e outros lugares, o governo americano está colocando instituições falidas de volta ao balanço, só que desta vez é o balanço do setor público, por meio da nacionalização. Logo, a proposta de Paulson para lidar com os ativos tóxicos tem o real significado um ponto de inflexão.

Qual será a paisagem do sistema bancário após esta saga? Depende em muito da resposta regulatória. No mínimo, os requisitos de capital serão mais restritivos, o que pode significar um sistema bancário revertendo para um ponto de menor de risco de atuação, na função utilidade geral. Mas, uma questão mais importante permanece sem resposta, que é a que diz respeito à independência dos bancos centrais.

Se os bancos centrais tiverem de ser recapitalizados, como parece provável de acontecer neste cenário, o sistema político pode querer cobrar o preço de diminuir sua independência operacional, o que terá consequências devastadoras. Pois um ponto central da tese de Minsky é de que o ativismo fiscal e os empréstimos de última instância causam inevitavelmente forte pressão inflacionária. Isto, juntamente com um aumento dos encargos sobre as futuras gerações de contribuintes, poderá ser o custo das últimas duas semanas de frenéticos esforços para repelir a deflação dos ativos hipotecários e manter a aparência de solidez do modelo anglo-americano de capitalismo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A crise financeira americana

Não vou discorrer a fundo sobre o tema agora, mas lanço uma questão cuja reflexão vai de encontro, com profundidade, aos alicerces da cultura capitalista americana, exaltada e difundida com tanto orgulho e interesse pelos donos do dinheiro ao longo das últimas décadas. A defesa do livre mercado, da adoção da lei do mais forte, esta instintiva insistência pela lei da natureza como regente ideal para as ações econômicas levou um duro golpe nas últimas ações de socorro às instituições financeiras americanas. A até então proibitiva e nociva intervenção do governo no mercado, como fez agora com um mega pacote de socorro a AIG, bem como ao Bear Stern, Fannie Mae e outros que aguardam na fila afronta a antiga idéia da mão invisível de Adam Smith sob a qual se sustentavam os argumentos que controlavam a ordem econômica e social, e distribuem os custos da derrocada não só para os outros cidadãos americanos, mas para o mundo todo. Foram forçados a negar seus argumentos com ações, ou seja, que agora se sacrifiquem os "princípios" para salvarem os beneficiários deles. E agora? Estamos diante de mais uma improbidade tão comum e recorrente deste governo ridículo do Bush ou estamos presenciando um marco histórico da decadência do atual sistema? Penso que ambas! Aguardem receosos os próximos capítulos...
* Milton Friedman foi um dos maiores defensores do Laissez Faire.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Enduro da Independência - Por Dalton Palhares

Neste final de semana recebi um email especial! Pude me sentir realizado pela realização de meu irmão. Apesar da gente não andar se encontrando muito e dividindo nossos sonhos, meio que à distância tenho acompanhado a empenhada construção de seu projeto sob duas rodas, e, a julgar pelo empenho, dedicação e perseverança com que ele sempre se dispos a enfrentar seus desafios, certamente o resultado viria rápido. Se nesse ponto não houve surpresas, por outro lado fui surpreendido pelas suas palavras. Ele que nunca foi muito de expressar sentimentos, deixou à mostra as batidas mais fortes de seu coração: foi doce quando deveria ser, sensível quando o momento o envolveu e aventureiro não só lá mas finalmente também na sua forma de expressar... Não é atoa que sinto orgulho dele!


Abaixo, na íntegra, o email que descreveu seu primeiro Enduro da Independência. Vale a pena conferir, não é só babação de parente não, são curiosidades acerca do que a realidade de quatro dias de trilhas:


"Chegamos ontem do Independência, aliás, chegou o que restou de mim e de minha moto. Para organizar o relato vou dividi-lo por temas.

ORGANIZAÇÃO - Achei boa a organização. Sempre tinha alguém por perto para sanar alguma dúvida. Não sei se os resultados demoraram a sair no dia, mas a maioria dos pilotos procuravam o resultado no dia seguinte e lá estava ele. Não vi muitos erros nas planilhas, e quando vi não eram erros grosseiros. Os grosseiros, como um erro no segundo dia, levou ao cancelamento do PC. Durante toda a trilha vc via médicos rodando a prova e veículos 4x4 de apoio médico em pontos estratégicos. Conversando com um conhecido que fez a prova como médico fui informado que não houve grandes problemas. Apenas alguns dedos quebrados, pés torcidos e ombros deslocados. Quanto aos cuidados médicos, a organização tá melhor que os pilotos. No primeiro dia passamos por um cara caído em um barranco após um grande degrau de uns 3 metros de altura. Como ele já estava com gente ao lado, não paramos. O que fiz foi olhar a referência na planilha e seguir na prova. Alguns poucos km à frente havia um neutro e nele estava uma pick-up 4x4 de apoio médico. Fui até lá pra verificar se os caras já tinham sido informados do ocorrido. E pra minha surpresa eles ainda não sabiam de nada. Relatei o ocorrido, falei da referência na planilha, e lá foram eles. Fiquei impressionado como um bando de piloto passa ao lado do cara, para 5 km depois ao lado do apoio médico e não tem a consideração de informar o ocorrido aos médicos da prova. Mais tarde, fui informado que foi apenas um ombro deslocado mas que não conseguiram coloca-lo no lugar. Tiveram de encaminhar o piloto para o hospital e apagá-lo para voltar o ombro. O processo foi um pouco demorado pois tiveram dificuldade de resgata-lo de onde estava. O piloto era um médico que faz trilha a muitos anos e foi convidado por seu filho a realizar o sonho de fazer o independência. Mas faz parte da brincadeira e sabemos os riscos que corremos.

TEMPO - Foram 4 dias de calor e sol intenso. Nem sombra de chuva. Porém muita poeira. Mas muita poeria mesmo. Era difícil de ver alguma coisa na trilha, principalmente quando se está na categoria de duplas e os pilotos ficam mais compactados.


LOGÍSTICA - Super cansativa. Pra falar a verdade enche o saco. Todo dia vc chega em um hotel tira a traquitana toda e no dia seguinte tem de por tudo no carro novamente. Quando acaba o enduro, em vez de descansar vc tem de lavar a moto, filtro, arrumar algo que estragou, colocar planilha encarretar, desencarretar, amarra, solta, prende, aperta, leva, trás, sobe, desce, etc.. Um saco. Queria ter grana pra fazer igual a uns gaúchos que estavam na prova. Acabava o enduro, entregava a moto pros apoios, tirava o equipamento e sentava em cadeiras de praia ao lado do big ônibus de apoio e descansavam. Já a ralé aqui, ia dormir às 23:30hs e acordava 5:30 ou 6hs da matina, depedendo do dia. Muito cansativo.


TRIHAS/DESEMPENHO - Para mim foram 4 dias bens diferentes.
-PRIMEIRO DIA. No início muita trilha por pastos e matas. Nada muito travado. Trilhas boas e gostosas de andar. Navegação tranquila e sem grandes dificuldades. No meio do dia entramos na fase dos estradões mesclados com trilhas e estradas velhas de fazenda. Meio chato, mas sabíamos que passaríamos por isto, até porque percorrer 200 km por dia só de trilha não seria possível. Neste dia, o pneu dianteiro do Leonan furou e nosso ritmo diminuiu um pouquinho. Já próximo do final do dia as dificuldades apareceram na figura de atoleiros, coisa que não temos aqui na nossa região. Foram uns 4 ou 5, se não me engano. Mas apenas 2 eram mais chatos. Demos até sorte e não perdemos muito tempo com eles. No final do dia estávamos de lama dos pés à cabeça. O engraçado era conversar com quem passou cedo pelos atoleiros. "Atoleiro? Onde?". Na nossa frente já havia passado 350 motos pelo local, então posso afirmar com certeza que quando passamos eram atoleiros sim!!. Achamos que o nosso desempenho havia sido bom, mas quando vimos o resultado ficamos até desanimados. Estávamos em 11 lugar. Achamos que ficaríamos entre 7 e 9. Foi aí que ratificamos o pensamento de que havíamos sido prematuramente promovidos a Dupla Graduados pelo TCMG. Se estivéssemos na categoria Dupla Estreante teríamos ficado em 4 lugar.
- SEGUNDO DIA. Como prometido, o dia mais difícil do Enduro. Saindo de Lambari após alguma trilhas e estradas, as pedras já começaram. Eram pedra pra dá com pau. E era só o começo. Depois de passarmos por São Tomé das Letras o bicho pegou. Vi que era trilha pra separar os homens das crianças. Me senti um bebe de 2 meses de idade...Logo no início tinha uma subida de uma escadaria que na realidade deveria se chamar paredão. E é lógico que havia duzentos fotógrafos e câmeras filmando tudo, e é lógico também que eu caí neste local. Quando sair o DVD oficial verei meu tombo com mais calma. Só que com essa brincadeira minha resistência foi embora e mais vários preciosos minutos. Depois dessa "escadaria" as pedras continuaram por muito mais tempo, minando mais ainda o resto do preparo. Nesse dia eu consegui a proeza de perder o meu óculos. Em uma mata fechada, eu coloquei ele pra trás (uso quick strap) pois estava calor e embassando. Quando fui recoloca-lo já era. Perdi e nem sei aonde. Só que a poeira era muita. Daí em diante minha prova acabou. Não conseguia andar direito. Os olhos doíam muito, além de não enxergar nada. Eu só não encarretei antes por que o neutro que paramos era sem apoio, se não eu desistiria. Esse dia foi o dia dos tombos do Leonan. Alguns feios, porém, por sorte, sem qualquer gravidade. No final do dia ainda nos perdemos. Gastamos muito tempo pra voltar pra prova. Porém não tinha mais PC no caminho Vimos que tomamos 1800 pontos em um PC mas não fazemos a menor idéia de onde foi, pois fizemos a prova toda, seguindo a planilha e não andamos mais de 30 minutos atrasados. Ao final do dia eu estava acabado, exaurido. Os braços doloridos e os dedos da mão nem fechavam direito. Tive de apelar e fazer algo que detesto. Tomar remédio. Entrei no ante inflamatório. Nesse dia ficamos em 13 lugar, mas se estivéssemos na Dupla Estreante não faria diferença, ficaríamos em nono.
- TERCEIRO DIA. O que menos gostei. Poucas trilhas e muitas estradas e muita poeira. Esse foi o meu dia de tombos. Levei um dos piores tombos de todos os tempo. Só não machuquei por milagre. Vinha acelerando ao lado de um trilho de trem, cheio de pedras soltas e atrás de outra dupla. O poeirão tava comendo solto, quando de repente surgiu do nada uma pedra enorme de uns 50 cm de altura. Bati de frente nela e voei por cima da moto. Cai de de cara no chão e saí rodando por cima das pedras. Meu capacete ficou todo ralado e sumiu a biqueira do capacete. Arrebentou meu relógio, arranhei o braço e ombro, rasgou minha calça, amassou a roda dianteira, empenou o guia da corrente e quebrou a pedaleira. Fiquei uns 30 segundos sentado no chão conferindo se não havia machucado. Depois mais 30 segundos cuspindo a terra que entrou em minha boca e no nariz. Mais outros 30s pra tira as pedras que entraram dentro do óculos. Até me recuperar nosso tempo já era. De novo. Ainda neste dia, soltou a corrente da moto do Leonan. Mas foi um dia fácil e sem grandes problemas. Sabíamos que todos perderiam poucos pontos. Perdemos 2007 e ficamos em 14 lugar. Dia pra se esquecer, seja pelas trilhas (ou falta delas) seja pelos meus tombos.

- QUARTO DIA. Como esperado, mais um dia de pedras e muitas trilhas. Saímos de Mariana e já de início caímos nas trilhas. E eram só pedras e cavas. Como estava com sorte, logo no início do dia, fruto das porradas que minha moto havia tomado anteriormente, soltou a corrente duas vezes, obviamente em locais estratégicos (de difícil acesso) e que me tiraram da prova logo de início. Aí virou só passeio. Não tem como tirar 25 minutos de atraso. Em alguns momentos, dado aos neutros, o atraso chegou até a ser de "apenas" 16 minutos. Mas eu não queria acelerar muito e me arriscar a me machucar por algo que já não valia mais. Ficar andando a 80 ou 90 km por hora em estradas de terra não é a minha praia. Depois do neutro de itabirito fizemos a trilha dos escravas e do cristo (eu acho...) e depois a topo do mundo. Foi um dia curto mas com muitas pedras. Menos pesado que o segundo, mas como o cansaço vai acumulando, situações fáceis vão ficando complicadas. Na topo do mundo eu ainda estava sem freio da frente, o que me fez fazer a trilha bem devagar. Ao final da topo do mundo todo mundo era avisado que o enduro acabou e que o resto seria só deslocamento. Só que era muito chão até Betim. Espero que o TCMG tenha ganho muito dinheiro para levar a chegada do enduro até Betim, pois foi um saco ir até lá pra finalizar o trajeto.


Como não era a minha semana de sorte (ou até foi, já que não me machuquei no tombo que levei), consegui a proeza de jogar minha moto de cima da carretinha do Leonan em cima de um Fiat Idea estacionado ao lado de meu carro. Quebrou o vidro, arranhou a porta e o pára-lama. O carro era de um PC. Acho que foi daquele que não me marcou no segundo dia....hehehe. Segunda feira vamos conversar pra ver quanto foi o prejuízo.

CUSTOS Não fiz as contas de quanto gastei, mas paguei R$ 500 de inscrição, R$ 300 de hotel, mais gasolina de carro e moto. Gastamos ainda com jantar, sempre barato e alguma coisa de manutenção. Não gastei mais que R$ 1.500,00 no total, mas posso garantir que valeu cada centavo. Subir no palco pra receber um medalha, até que bonitinha, mas que simboliza a realização de um sonho...não tem preço. Ver a minha esposa e minhas pequeninas me esperando sorridentes e felizes foi ótimo. É uma experiência impar, inesquecível e que se a minha mulher deixar, "de novo", quero repetir.

Seguem algumas fotos que achei na NET..."